PRÁTICAS
TARIFÁRIAS DO SETOR DE SANEAMENTO BRASILEIRO
HISTÓRICO
O serviço de
saneamento básico brasileiro, atravessou profundas mudanças neste século. Numa
revisão do contexto histórico, é possível separar cinco grandes períodos:
1. Até 1968, onde o
setor era caracterizado por flexibilidade, estatização e descentralização;
2. Entre 1968 e 1970,
onde se caracteriza a criação do Sistema Financeiro de Saneamento e dos
instrumentos básicos de financiamento;
3. Entre 1971 e 1984,
época em que a vigorosa expansão econômica que caracterizou o “milagre
brasileiro” criou condições para a atuação do Plano Nacional de Saneamento
(PLANASA), o que alterou os índices de cobertura e nível deste serviço;
4. Entre 1985 e 1989, fase da redemocratização
nacional, inclusive com a promulgação da nova Constituição, em que se alterou a
estrutura do PLANASA, na era da denominada Nova República;
5. E, finalmente, de
1990 até os dias atuais, com a extinção do PLANASA e a promulgação da lei do
saneamento, 11.445, em 2.007, e decreto regulamentador 7.217 em 2.010, sinalizando
com profundas mudanças nos horizontes de médio e longo prazo.
Práticas tarifárias
adotadas na história do saneamento
No
início dos anos 30, o desenvolvimento urbano e industrial exigiu do setor
público, importantes investimentos para fazer face à crescente necessidade dos
serviços de saneamento, bem como outros serviços de infraestrutura, como estradas
e energia. Porém, a crise mundial ainda estava recente. A ferida aberta com a
bolsa em Nova Iorque pela quinta-feira negra, de 24 de outubro de 1929, e pela
terça seguinte, anunciava a chegada de um período conhecido como a grande
depressão, onde os investimentos caíram assustadoramente em todo mundo.
Até
esta data havia a participação de empresas públicas e privadas no setor de
saneamento no Brasil, neste último grupo com forte presença de concessionárias
estrangeiras. Os serviços eram de amplitude limitada, pelo tamanho reduzido das
populações urbanas. Como não havia subsídio, as tarifas cobriam inteiramente os
custos, inclusive com uma garantia de rentabilidade mínima.
Essa
rentabilidade situava-se por volta de 7%. O poder público detinha poder
normativo e fiscalizador, com definição descentralizada de tarifas.
Em
1934 foi promulgado o Código de Águas, que dava poder ao governo federal de
fixar tarifas para a água. Nascia a intervenção governamental no setor. As empresas
estrangeiras foram nacionalizadas e estatizadas.
Destinadas a favorecer o crescimento econômico, as
tarifas eram fixadas abaixo dos valores reais. Com o
acelerado crescimento populacional nas décadas seguintes, agravam-se as
crônicas deficiências do serviço de saneamento. Para se ter uma ideia da
cobertura do serviço, em 1960, apenas 43% dos domicílios nacionais eram ligados
à rede de água e apenas 27% à de esgoto.
Nesse contexto, no
período de 1968 a 1970, o BNH e o SFS estimularam a criação das Companhias
Estaduais de Saneamento Básico (CESBs) como principais agentes de implantação
da política de saneamento. Concomitantemente, pregava a criação dos Fundos
Estaduais de Água e Esgoto (FAEs) para fornecer a indispensável contrapartida
estadual aos empréstimos do SFS. Solidificava-se o BNH como órgão central e
normativo do Sistema Financeiro de Saneamento (SFS) e as CESBs como órgãos
executores do programa, em nível estadual.
Em 1971, é criado o
Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), que se constituiria na experiência
nacional mais importante no campo do saneamento básico. Tinha como preocupação
central a universalização dos serviços de saneamento entre outros objetivos. No
tocante às políticas tarifárias pregava:
a. Auto sustentação das CESBs por meio do
aumento do recurso a nível estadual, por parte dos FAEs;
b. Adequação dos níveis tarifários à
capacidade de pagamento da população, sem prejuízo do equilíbrio entre receita
e custo dos serviços;
c. A remuneração
anual de 12% sobre o investimento reconhecido, em benefício do responsável pela
execução do serviço.
A partir de 1978, a
tarifa média cobrada dos usuários foi insuficiente para cobrir o custo médio
dos serviços. O Decreto No 82.587 também estabelecia em seu artigo 10 que as
tarifas seriam diferenciadas segundo categorias de usuários e faixas de
consumo, assegurando o subsídio dos usuários de maior poder aquisitivo para
aqueles de menor renda, assim como dos grandes para os pequenos consumidores.
As
categorias de consumo compreendiam:
Residencial,
comercial, industrial e público. O artigo 14 estabelecia que as tarifas da
categoria residencial seriam diferenciadas para as diversas faixas de consumo,
devendo, em função destas, ser progressivas em relação ao volume faturável.
Já os usuários das categorias comercial e
industrial deveriam ter duas tarifas específicas, uma referente ao volume
mínimo e outra ao excedente, sendo que a segunda seria superior à primeira e
esta maior que a tarifa média.
Como se tratava de
monopólio natural, as tarifas seriam reguladas através do método de tarifação
pelo custo do serviço, garantindo-se às companhias estaduais, em condições
eficientes de operação, a remuneração de até 12% sobre o investimento
reconhecido. Esse método também conhecido como regulação da taxa interna de
retorno.
Condições usuais de
financiamento do PLANASA
Em 1991, é revogado o
Decreto 82.587, devolvendo-se às concessionárias a autonomia para fixar tarifas
de acordo com suas necessidades.
AS
PRÁTICAS TARIFÁRIAS NO PERÍODO DO PLANASA
A implantação do
PLANASA foi iniciada num período de expansão acelerada da economia brasileira.
Mesmo assim, isso não significou que sua implantação estivesse livre de
problemas. No período de sua criação, ao fim do ciclo dos governos militares, o
PLANASA encontrou dificuldades e sofreu mudanças ao longo do tempo sem,
entretanto, modificar seus objetivos básicos. Entre os problemas enfrentados
estava a manutenção das preconizadas tarifas reais.
De imediato,
observou-se que grande parte da população de baixa renda não disporia de
recursos para pagar o preço necessário, mesmo utilizando o subsídio cruzado. A
possibilidade dos consumidores mais ricos subsidiarem os mais pobres tinha,
obviamente, limites.
“A
má situação das empresas estaduais de saneamento é consequência dos altos
investimentos realizados, seja pela utilização de tecnologias sofisticadas,
seja por toda sorte de desperdício. A receita operacional dessas empresas
apenas equivale às despesas de exploração, sendo o serviço da dívida coberto,
em grande parte, por novos empréstimos, situação em que se perpetua uma
defasagem entre a receita e as despesas totais.
Especificamente sobre
as tarifas de água, apesar dos documentos legais estimularem a viabilidade
financeira das CESBs via recolhimento tarifário, o controle de definição de
tarifas por parte do governo federal, durante o período de 1978 a 1991 comprometeu
a saúde financeira dessas companhias, ocorrendo, assim, um longo período
durante o qual as receitas não cobriam os custos totais.
Eram e são comuns os
casos onde as tarifas sequer cobrem as despesas com a operação do sistema.
Nesse item, merecem destaque as despesas com energia elétrica que respondem por
importantes parcelas dos custos de operação das CESBs.
POLÍTICAS
TARIFÁRIAS NAS EMPRESAS DE SANEAMENTO
A regulação tarifária
é um dos aspectos mais importantes da regulação dos serviços públicos, tendo em
vista a necessidade, em um regime de monopólio natural, de se garantir tanto a
rentabilidade do investidor quanto a preservação dos interesses dos
consumidores. Em um regime de monopólio natural, a regulação das tarifas
reveste-se de especial complexidade, tendo em vista, além dos aspectos
mencionados anteriormente, o elevado grau de diferença de informações entre
quem realiza o serviço e quem o regula.
A lei 11.445 é
enfática em seu Art.27, onde atribui ao órgão regulador no item IV – “definir
tarifas e outros preços públicos que assegurem tanto o equilíbrio
econômico-financeiro dos contratos, quanto a modicidade tarifária e de outros
preços públicos, mediante mecanismos que induzam a eficiência e eficácia dos
serviços e que permitam a apropriação social dos ganhos de produtividade.”
Para o setor de saneamento concedido à empresa
privada, prevaleceu, entre outros modelos a tarifação pelo custo do serviço:
Tarifação pelo custo do serviço
A tarifação pelo
custo do serviço, conhecido comumente como controle da taxa interna de retorno,
é o regime tradicionalmente utilizado para regulação das tarifas dos monopólios
naturais. O motivo maior dessa adoção é limitar as receitas da prestadora do
serviço, prezando pela modicidade das tarifas.
No caso brasileiro,
ainda na época em que as empresas estrangeiras eram responsáveis pela operação
do setor de saneamento, o governo garantia uma rentabilidade mínima das
concessionárias, caracterizando o controle pela taxa interna de retorno.
A definição da taxa
interna de retorno é uma forma indireta de determinação dos preços, uma vez que
por meio de sua aplicação, estes serão reajustados sempre que for necessária a
recomposição da receita, de forma a garantir a taxa de retorno permitida pela
reguladora.
A
QUESTÃO OPERACIONAL DOS SUBSÍDIOS NAS TARIFAS
No setor de
fornecimento de água, há os subsídios cruzados. O subsídio cruzado é
caracterizado por classes de usuário e faixas de consumo subsidiando os núcleos
de menores rendas. Assim os usuários urbanos são divididos, em classe de
usuários:
i)
Residencial;
ii)
Comercial;
iii)
Industrial; e
iv)
Público.
Algumas companhias
brasileiras admitem outras classes como o residencial social, que são pessoas
de notória incapacidade de pagamento pelo serviço.
Na cidade de São Paulo, há inclusive duas
classes de usuários “sociais”, uma delas sendo os favelados, numa clara
disposição de tratar diferente os desiguais.
De uma forma geral, a
distinção de classes de usuário é feita de forma que o setor industrial e
comercial, segundo o pressuposto que estes detendo maior capacidade de
pagamento, subsidiem os demais consumidores, por meio de pagamento de tarifas
acima da tarifa média.
Há querelas jurídicas
sobre a legalidade ou ilegalidade dessa forma de subsídio cruzado, ainda sem
uma jurisprudência definida. Porém, de fato, tal procedimento está presente nas
empresas do setor de saneamento do Brasil. A outra forma de subsídio cruzado
seria o intercalasse. Por exemplo, usuários residenciais de alto poder aquisitivo
pagam mais que o preço médio da água, segundo uma tarifa de bloco, de tal forma
que cubra o baixo preço das tarifas para os de menor renda.
CONCLUSÕES
Da análise histórica
brasileira apresentada, é possível verificar que não será somente por meio de
simples reajustes de tarifas que será feita a recuperação da eficiência
econômica das empresas de saneamento. Os problemas atuais enfrentados pelas
prestadoras são tanto conjunturais como, principalmente, estruturais. O
controle das tarifas como um dos instrumentos da pressão inflacionária,
ingerências políticas dentro destas empresas, inadequado nível de eficiência
administrativa e operativa, conformam o pano de fundo para explicar a situação
pela qual atravessa o setor.
Na outra ponta, está a participação da
iniciativa privada, que aparece como uma proposta forte da agenda do atual
governo brasileiro como forma de universalizar o atendimento dos serviços
básicos de água e esgoto. A incapacidade de investimento do governo e a
pretensa capacidade de investimento privado no setor são fortes argumentos
utilizados por seus defensores. Outra vantagem argumentada seria a
administração da empresa em bases gerenciais, afastando as interferências
políticas externas.
A necessidade da criação de agências
reguladoras para o serviço de saneamento oferecido por empresas privadas,
considerando-se os contenciosos debates acerca das mesmas políticas tarifárias,
marcará certamente esta nova fase do setor de saneamento no Brasil, com
segurança jurídica amparada pela lei do saneamento, onde a tarifa inicial é
definida em edital de concorrência pública, após amplo estudo econômico financeiro,
obrigatório nos planos municipais de saneamento.
E os reajustes são regulados,
e periódicos com base em fatos previsíveis e regulamentados.
Adaptado de: Valmir de Albuquerque Pedrosa