TRATAMENTO DE ESGOTOS SANITÁRIOS POR PROCESSO ANAERÓBIO E DISPOSIÇÃO CONTROLADA NO SOLO.
A disposição de esgotos brutos no solo ou
em corpos receptores naturais, como lagoas, rios, oceanos, é uma alternativa
que foi e ainda é empregada de forma muito intensa.
Dependendo da carga orgânica lançada, os
esgotos provocam a total degradação do ambiente (solo, água e ar) ou, em outros
casos, o meio demonstra ter condições de receber e de decompor os contaminantes
até alcançar um nível que não cause problemas
ou alterações acentuadas que prejudiquem o
ecossistema local e circunvizinho.
Esse fato demonstra que a natureza tem
condições de promover o tratamento dos esgotos, desde que não ocorra sobrecarga
e que haja boas condições ambientais que permitam a evolução, reprodução e
crescimento de organismos que decompõem a matéria orgânica. Em outras palavras, o
tratamento biológico de esgotos é um fenômeno que pode ocorrer naturalmente no
solo ou na água, desde que predominem condições apropriadas.
UMA ESTAÇÃO DE TRATAMENTO DE
ESGOTOS É, EM ESSÊNCIA, UM SISTEMA QUE EXPLORA ESSES MESMOS ORGANISMOS QUE
PROLIFERAM NO SOLO E NA ÁGUA.
Em estações de tratamento procura-se, no
entanto, otimizar os processos e minimizar custos, para que se consiga a maior
eficiência possível, respeitando-se as restrições que se impõem pela proteção
do corpo receptor e pelas limitações de recursos disponíveis.
Em estações de tratamento procura-se,
geralmente, reduzir o tempo de detenção hidráulica (tempo médio que o esgoto
fica retido no sistema) e aumentar a eficiência das reações bioquímicas, de
maneira que se atinja determinado nível de redução de carga orgânica, em tempo
e espaço muito inferiores em relação ao que se espera que ocorra no ambiente
natural.
Assim sendo, mesmo a disposição no solo pode
constituir-se em uma excelente forma
de tratamento, desde
que se respeite
a capacidade natural
do meio e dos microrganismos decompositores presentes.
Plantio de mamona irrigada com esgoto tratado
Durante os últimos 20 anos, verificou-se
uma verdadeira revolução nos conceitos concernentes com o tratamento de águas
residuárias. Nesse período, além de ampliar e
valorizar a aplicabilidade
do processo anaeróbio,
também foi aumentado significativamente o número de
alternativas para concepção física das unidades para conversões biológicas.
A consciência atual coloca em destaque a
importância da multidisciplinaridade do assunto e envolve elementos de
biologia, microbiologia, bioquímica, engenharias, arquitetura, economia,
política, sociologia e educação ambiental.
Há que se tentar a otimização da
construção, da operação e da manutenção do reator (custos) fundamentada na
otimização do processo biológico. Em suma, para
cada cidade, em
função de suas características
próprias, deve-se sempre escolher aquela solução que corresponda a uma
eficiência e a custos compatíveis com as circunstâncias que prevalecem no
local.
Dada a dificuldade em caracterizar todos os
patogênicos presentes no esgoto, adota-se como recurso a determinação da
densidade de microrganismos coliformes, NMP (número mais provável de coliformes/100 ml de amostra), que indiretamente
constitui um indicador da presença provável de organismos patogênicos
nesse meio. Organismos coliformes são bactérias que têm seu hábitat favorável
no trato intestinal de animais de sangue quente.
De maneira geral, devem ser coletadas
amostras e determinados pelo menos os seguintes parâmetros: pH, temperatura,
DBO (Demanda Bioquímica de Oxigênio), DQO (Demanda Química de Oxigênio),
nitrogênio (nas formas de nitrogênio orgânico, amoniacal, nitritos e nitratos),
fósforo, alcalinidade, materiais solúveis em hexano, sólidos sedimentáveis,
resíduos (em suas diferentes formas: suspensos, dissolvidos, fixos e voláteis),
coliformes totais e coliformes fecais. Recentemente, também a avaliação do
número de nematoides começou a receber maior atenção.
Entre os parâmetros citados é muito
importante destacar algumas considerações sobre a DBO. Em esgotos sanitários, a
DBO geralmente varia na faixa de 150 a 600
mg/l, em média.
Isso significa, de forma grosseira, que
cada litro de esgoto lançado em um corpo aquático pode provocar consumo de 150
a 600 mg/l de oxigênio disponível nesse meio, por intermédio das reações bioquímicas
(respiração de microrganismos, principalmente).
Esse ensaio é padronizado para a
temperatura de 20°C e 5 dias de duração. Isso significa que, na realidade, o
consumo de oxigênio pode ser maior ou menor do que aquele determinado em
laboratório, pois, no meio natural, há outras variáveis não ponderadas no
ensaio.
Para ter uma idéia grosseira da
contribuição de cada pessoa na degradação da água de um corpo d’água natural é
interessante notar que as atividades normais de um ser humano leva à .produção de
cerca de 50 a 60 g de DBO20ºC,5d por dia, ou seja, cada pessoa, por meio de
seus esgotos, provoca consumo de oxigênio no corpo receptor da ordem de 50 a
60g.
Em termos grosseiros, se for considerado
que um corpo receptor sadio tem geralmente teor de oxigênio dissolvido de
aproximadamente 7 mg/l, cada pessoa provoca a
redução desse teor
para zero mg/l, correspondente a
um volume de 8 m³/dia,
aproximadamente (54 g de DBO20ºC,5d/pessoa · dia).
Extrapolando-se para uma cidade de 100.000
habitantes, por exemplo, chega-se a um volume da ordem de 800.000 m3/dia.
No
que se refere
à contaminação do
corpo receptor por microrganismos potencialmente
patogênicos, um número bastante representativo refere-se ao NMP de coliformes
por 100 ml, característico dos esgotos sanitários. A faixa de valores mais comuns
encontra-se entre 106 e 108 NMP/100 ml.
Isso significa que, em cada litro de esgoto
bruto lançado em um rio, tem-se de 107 a 109
organismos coliformes, que
indiretamente podem estar
relacionados com a
presença de patogênicos. Assim dependendo
do corpo receptor, deve-se estabelecer o número de estações com a definição de
eficiência necessária para o tratamento, áreas disponíveis para implantação do
sistema, recursos disponíveis, condições da rede coletora existente etc.
Como diretriz básica e preliminar mínima,
deve-se sempre procurar alcançar eficiência
na remoção de DBO superior a 80% ou deve-se procurar ter efluentes tratados com
DBO inferior a 60 mg/l. Naturalmente, além de considerar esse parâmetro, também
devem ser respeitados limites associados a outros, como sólidos suspensos, NMP
de coliformes etc., hodiernamente para determinar a melhor
alternativa, no que concerne ao número de estações a serem implantadas, deve-se
fazer um estudo econômico e ambiental cuidadoso relativo à análise de costumes
de obras, operação e manutenção. Nota-se que, quando se procura concentrar todo
o volume de esgotos de uma cidade em um ponto único, é preciso aumentar o
diâmetro das canalizações à medida que aumenta a área servida.
Além
disso, geralmente, tem-se
de construir sistemas
de bombeamento para, eventualmente, lançar os esgotos de uma
ou mais sub-bacias até canalizações que
posteriormente conduzem os esgotos ao local
de tratamento.
Os
estudos técnico e
econômico deverão ser
realizados com base
em informações que surgirão por meio da análise dos seguintes tópicos,
fases ou considerações.
- Conhecimento
da classe e avaliação da capacidade de autodepuração do corpo receptor.
- Definição
da eficiência necessária para tratamento.
- Espaço disponível para
a implantação da(s) estação(ões).
- Sondagem e
estudos geofísicos na(s)
área(s) para implantação da(s)
estação(ões).
- Definição
do número de estações.
- Definição
do módulo que constitui a(s) estação(ões).
- Utilização
de tecnologias disponíveis e apropriadas.
- Definição
de critérios de projeto.
- Layout
de anteprojetos.
- Análise
sobre o balanço de sólidos para avaliar problemas, soluções e custos
para transporte,
tratamento e destino final de lodos.
- Análise
sobre o balanço energético para avaliar consumo de energia e seus custos.
- Análise
sobre as condições técnicas gerais de cada alternativa.
- Análise
de custos (construção, operação e manutenção) de cada alternativa (devem
ser comparados os valores presentes considerando-se a construção e a
operação e manutenção nos próximos 20 anos).
- Análise
do impacto ambiental de cada alternativa.
- Escolha
de melhor solução.
Não há um sistema de
tratamento de esgotos que possa ser indicado como o melhor para quaisquer
condições, mas obtém-se a mais alta relação custos/benefícios (respeitando-se o
aspecto ambiental) quando se escolhe criteriosamente um sistema que se adapta
às condições locais e aos objetivos em cada caso.
A disposição no solo
é a forma mais antiga de depuração controlada dos esgotos, mas com a aceleração
do processo de urbanização, vários fatores, incentivados pela sedução de
tecnologias sofisticadas, levaram
ao desenvolvimento de
processos de tratamento mais compactos
e à disposição
dos esgotos nos
corpos d’água, aparentemente
abundantes.
A disposição de
esgotos no solo é essencialmente uma atividade de reciclagem, inclusive para a
água, que viabiliza um melhor aproveitamento do potencial hídrico e dos nutrientes
presentes nos esgotos,
utilizando racionalmente a
natureza como receptora de
resíduos e geradora de riquezas, sobretudo quando se explora o sistema solo-vegetais.
Sempre que possível,
a disposição controlada de esgotos ou efluentes tratados no solo é uma
excelente providência; seja como destino final, ou antes, que atinjam um corpo d’água.
No mínimo porque, dispostos no solo, os esgotos sofrem depuração natural e, qualquer
que seja o grau de tratamento alcançado é menos maléficos às águas do corpo
receptor. A disposição no solo presta-se como destino final ou tratamento complementar
dos efluentes dos mais diversos sistemas de tratamento.
Por si só constitui também
uma opção muito eficiente de tratamento (ou reciclagem) e adequada como destino
final.
Contudo, mesmo sendo
incontestável a excelência do processo como alternativa, não se trata de uma panaceia
para o problema do tratamento de esgotos. Há restrições ao seu uso;
principalmente quanto à disponibilidade de área e solo adequado (tipo e relevo).
O risco
sanitário, visto como
restrição, é na
verdade muito menor do que geralmente se imagina e pode ser
perfeitamente controlado.
A depuração dos esgotos no
solo ocorre, principalmente, devido
à atividade biológica, a sua
infiltração e percolação ou por seu escoamento sobre a superfície coberta por
vegetação. As técnicas utilizadas nos processos de infiltração-percolação são a
irrigação de culturas e a infiltração rápida. A irrigação é o método que requer
a maior área superficial, mas é o sistema natural mais eficiente e de maior
aproveitamento produtivo. A infiltração rápida presta-se para solos arenosos de
alta taxa de infiltração, geralmente sem cobertura vegetal.
O escoamento à
superfície é empregado em solos menos permeáveis, cobertos de vegetação. O
esgoto é distribuído por meio de canais, tubos perfurados ou aspersores, na
faixa superior de um plano inclinado, sobre o qual escoa até ser coletado por
valas dispostas ao longo da parte inferior.
Nos processos de
infiltração-percolação, o solo e os microrganismos que nele vivem, como um filtro
vivo, atuam na retenção e transformação dos sólidos orgânicos, e a vegetação,
quando existente, retira do solo os nutrientes transformados, evitando a
concentração excessiva (cumulativa) ao longo do tempo. A água que não é
incorporada ao solo e às plantas perde-se pela evapotranspiração e parte
infiltra-se e percola em direção aos lençóis subterrâneos.
No escoamento sobre
superfície, a vegetação que cobre o solo, além de retirar parte dos nutrientes,
atua associada à camada superficial do solo, também como um filtro vivo, e
ocorrem fenômenos semelhantes de retenção e transformação da matéria orgânica
dos esgotos, porém em escoamento horizontal. A água que excede ao pouco que se
incorpora ou evapora é coletada a jusante, para adequação no destino, ou
continua em rolamento superficial, mais purificada.
A retenção
física (filtração), nos
processos de infiltração-percolação, a sedimentação e filtração superficial, no
escoamento, e a ação dos microrganismos, presentes nos solos não estéreis e nas
plantas, são, também, os principais fatores de remoção de microrganismos
patogênicos. A ação dos microrganismos na remoção de patogênicos tanto é direta
(competição vital) como indireta, devido às transformações bioquímicas do
substrato.
Outro fator que
determina a eficiência na remoção de patogênicos, no sistema solo-planta, é o
tempo durante o qual eles permanecem submetidos à ação biológica e às condições
adversas de sobrevivência (temperatura, luz e radiações, pH etc.).
Em verdade, na
prática da disposição de esgotos no solo, ocorrem vários processos ativos na
depuração dos esgotos, quase sempre de
forma conjugada ou conjunta, concomitante. Afora as bacias de
infiltração sem cobertura vegetal, todas as outras técnicas não deixam de ser
formas de irrigação com esgoto, com ou sem excedente de água a ser drenada após
eficiente ação de transformação do sistema solo-planta, no qual sempre ocorrem
também certa infiltração, evaporação e formação de biomassa vegetal.
São, via de regra, processos
de tratamento e reuso ao mesmo tempo. A retomada dos métodos de disposição de
esgotos no solo faz-se atualmente em larga escala e com grande
sucesso em todo o mundo.
Muitos são os exemplos de velhos casos,
ainda em pleno uso, e de novos sistemas que são implantados com grande intensidade.
Como se pode notar,
são muitas as opções de sistemas simples e adequados às condições brasileiras.
No entanto, a adequação à realidade depende de condicionantes físicos,
ambientais, epidemiológicos, socioculturais e econômicos, que são muito
variados.
Em decorrência das
várias opções e dos inúmeros condicionantes, são muitas as variáveis
determinantes a serem consideradas na escolha de alternativas tecnológicas para
tratamento dos esgotos sanitários. Devem ser analisadas, avaliadas e
comparadas, no mínimo: a eficiência na
remoção de sólidos, matéria
orgânica, microrganismos patogênicos
e nutrientes eutrofizantes; a
capacidade de observar
as variações qualitativas e
quantitativas do afluente; a capacidade do sistema de se restabelecer de perturbações
funcionais e a estabilidade do efluente; os riscos de maus odores e de proliferação de
insetos; a facilidade
de modulação e expansão;
a complexidade construtiva; as
facilidades e dificuldades para manutenção e operação; o potencial produtivo e
os benefícios econômicos diretos e indiretos, inclusive o destino final do dinheiro
investido e seu retorno social; e os custos diretos na implantação, manutenção e
operação. Em cada caso real, umas ou outras dessas variáveis se revelarão como
mais importantes e determinantes da opção a ser escolhida, sem se perder a
visão do conjunto de fatores intervenientes.
Nas condições
ambientais, climáticas e
econômicas do Brasil, não
se pode desprezar as
vantagens e conveniências
da aplicação de
reatores anaeróbios para tratamento dos esgotos, seja para
atingir um primeiro patamar sanitário de forma massificada, seja para reduzir
os custos de sistemas mais eficientes; como também não se deve prescindir da
utilização da enorme extensão de solo, para disposição dos esgotos com retorno
econômico e social do capital investido.
COPASA - MG
COPASA - MG
O esgoto proveniente das redes e interceptores é disposto no solo, após
o tratamento preliminar (grade e caixa de areia), fornecendo água e nutrientes
necessários para o crescimento de gramíneas.
Os esgotos são distribuídos na parte superior de
um terreno inclinado percolando na interface solo-planta até serem
coletados por uma canaleta na parte inferior. A aplicação é feita por meio de
tubulações ou canais de distribuições com aberturas intercaladas.
Do líquido percolado, parte é absorvida no
crescimento das gramíneas, parte perde-se com a evapo-transpiração e o efluente
final, já tratado, provê condições para o lançamento final no corpo receptor
(córregos, rios,etc).
Fonte: PROSAB - FINEP